quinta-feira, 20 de junho de 2019

RESENHA - LIMIAR


RESENHA

LIMIAR – JESSICA WARMAN  (  Editora Galera Record, 2013)


                             Encontrei o romance Limiar da  escritora estadunidense Jessica Warman, num balcão de promoções. O livro ficou guardado por meses, até que eu começasse a leitura. Parece até  que os livros têm o momento certo de chegar a cada leitor. Iniciei a leitura, parei, não consegui me concentrar, guardei o livro. Quando retormei a obra, há poucos dias, não consegui mais largar. Confesso que a obra me surpreendeu positivamente e de novo me deu a oportunidade de refletir sobre muitos pontos da nossa existência, a partir de um texto literário.
                            A protagonista do romance, Elizabeth Walchar, encontra-se desde a primeira linha da trama, numa situação peculiar: acorda num barco, depois de sua festa de aniversário de 18 anos.  Descobre que está morta e que seu corpo está na água, boiando, sem que ninguém a veja ou se dê  conta  do que lhe aconteceu.  Com ela estão seus amigos , seu namorado e sua “irmã postiça”, como ela chama a filha de sua madrasta. Todos dormem, nas cenas iniciais de Limiar. Elizabeth , desperta e desnorteada, tenta entender os últimos acontecimentos, mas tudo lhe parece desesperador e incompreensível.  A moça  então percebe que há outra pessoa ao seu lado, compartilhando da mesma situação extraordinária. Trata-se de Alex Berg, um jovem  que ela conhecera no colégio, e que havia morrido um ano antes, vítima de um misterioso atropelamento.  Alex e Elizabeth são oruindos de vivências opostas. Ela, garota linda, rica e mimada, fazia parte do grupo de adolescentes populares e “poderosos” da escola. Ele, um jovem de família humilde, que já trabalhava para ajudar no sustento de sua família. Para Elizabeth e seu grupo, Alex era até então um ser invisível, ignorado. A princípio,  o relacionamento entre os dois é hostil e irônico. Mas Liz precisa da companhia de Alex e de sua “experiência” num universo que ela não conhece. Assim, ajudada por seu inusitado companheiro, ela vê todos os acontecimentos que se desdobram após sua morte, desde o momento em que uma das amigas descobre seu corpo na água, passando pela reação de seus pais , até o surpreendente final, quando as peças finalmente se encaixam e Elizabeth consegue enfim compreender o caminho que trilhou até onde se encontra agora.
                              A autora consegue desafiar vários clichês e colocar camadas sob aquilo que à primeira vista cada personagem aparenta. Nenhum escapa a esta premissa e Warman consegue manter seu texto distante de qualquer maniqueísmo  Elizabeth e Alex revisitam cenas de sua vida, reveem suas ações passadas e precisam conviver com o que não é mais possível consertar.  Elizabeth  abre um leque de situações sombrias que contrastam com sua aparente futilidade e hedonismo. Revê a morte de sua mãe,  fato que marca sua existência de modo singular.  Relembra momentos de sua nova família, agora com sua madrasta Nicole e a filha desta, Josie. Retorna ao começo de seu relacionamento com Richie, o namorado perfeito, mas que é um traficante de drogas. Observa cenas ao lado de seus amigos, de quem agora consegue enxergar outros aspectos antes sombreados e ambíguos,envergonham-se de atos praticados em vida, que não podem mais ser corrigidos . E em cada uma dessas visões,  novas expectativas são quebradas, de Elizabeth e do leitor. Alex, sempre cínico e crítico em relação a Liz, também revisita pedaços de sua existência e assiste ao sofrimento terrível de seus pais, que não conseguem descobrir o culpado pelo atropelamento que vitimou o filho único. Os dois “mortos” passeiam pela cidade, entram na escola onde estudavam, acompanham  as ações daqueles que conheciam. Aos poucos, verdades desconfortáveis começam a surgir diante de seus olhos.  As pessoas talvez não sejam o que pareciam ser e muitas certezas  agora se desvanecem , dando lugar a acontecimentos que se entrecruzam e desembocam num final surpreendente, que enfim explicam a morte de Elizabeth e sua ligação com Alex, que progride para uma amizade verdadeira, ainda que temperada com elementos bizarros.
                                    Algumas simbologias adotadas por Warman são interessantes e bem construídas. Um exemplo são as botas luxuosas que Elizabeth usava quando morreu e com as quais é obrigada a permanecer durante quase toda a narrativa, mesmo tentando se livrar delas.  É interessante também o modo como a autora constrói o núcleo dos jovens “populares” da escola, aqueles que ditam o que é certo e quem são os escolhidos para conviver em seu mundo privilegiado. Em Limiar essas figuras aparecem para o leitor sempre com um contraponto a seu aparente glamour e poder.  A narrativa, que facilmente cairia numa novelinha açucarada para adolescentes, vai muito além deste formato e consegue pintar com tintas sombrias e inusitadas um universo tantas vezes mostrado superficialmente, em obras literárias e cinematográficas.
                                 Por todas essas qualidades, recomendo a leitura de Limiar.
Descrição: F:\MAÇÃ CRÍTICA.jpgDescrição: F:\MAÇÃ CRÍTICA.jpgDescrição: F:\MAÇÃ CRÍTICA.jpgDescrição: F:\MAÇÃ CRÍTICA.jpg