RESENHA
LIMIAR – JESSICA WARMAN (
Editora Galera Record, 2013)
Encontrei o romance Limiar
da escritora estadunidense Jessica
Warman, num balcão de promoções. O livro ficou guardado por meses, até que eu
começasse a leitura. Parece até que os
livros têm o momento certo de chegar a cada leitor. Iniciei a leitura, parei,
não consegui me concentrar, guardei o livro. Quando retormei a obra, há poucos
dias, não consegui mais largar. Confesso que a obra me surpreendeu
positivamente e de novo me deu a oportunidade de refletir sobre muitos pontos
da nossa existência, a partir de um texto literário.
A protagonista do
romance, Elizabeth Walchar, encontra-se desde a primeira linha da trama, numa
situação peculiar: acorda num barco, depois de sua festa de aniversário de 18
anos. Descobre que está morta e que seu
corpo está na água, boiando, sem que ninguém a veja ou se dê conta
do que lhe aconteceu. Com ela
estão seus amigos , seu namorado e sua “irmã postiça”, como ela chama a filha
de sua madrasta. Todos dormem, nas cenas iniciais de Limiar. Elizabeth , desperta e desnorteada, tenta entender os
últimos acontecimentos, mas tudo lhe parece desesperador e
incompreensível. A moça então percebe que há outra pessoa ao seu
lado, compartilhando da mesma situação extraordinária. Trata-se de Alex Berg,
um jovem que ela conhecera no colégio, e
que havia morrido um ano antes, vítima de um misterioso atropelamento. Alex e Elizabeth são oruindos de vivências
opostas. Ela, garota linda, rica e mimada, fazia parte do grupo de adolescentes
populares e “poderosos” da escola. Ele, um jovem de família humilde, que já
trabalhava para ajudar no sustento de sua família. Para Elizabeth e seu grupo,
Alex era até então um ser invisível, ignorado. A princípio, o relacionamento entre os dois é hostil e
irônico. Mas Liz precisa da companhia de Alex e de sua “experiência” num
universo que ela não conhece. Assim, ajudada por seu inusitado companheiro, ela
vê todos os acontecimentos que se desdobram após sua morte, desde o momento em
que uma das amigas descobre seu corpo na água, passando pela reação de seus
pais , até o surpreendente final, quando as peças finalmente se encaixam e
Elizabeth consegue enfim compreender o caminho que trilhou até onde se encontra
agora.
A autora consegue desafiar vários clichês e colocar camadas sob aquilo
que à primeira vista cada personagem aparenta. Nenhum escapa a esta premissa e
Warman consegue manter seu texto distante de qualquer maniqueísmo Elizabeth e Alex revisitam cenas de sua vida,
reveem suas ações passadas e precisam conviver com o que não é mais possível
consertar. Elizabeth abre um leque de situações sombrias que
contrastam com sua aparente futilidade e hedonismo. Revê a morte de sua mãe, fato que marca sua existência de modo
singular. Relembra momentos de sua nova
família, agora com sua madrasta Nicole e a filha desta, Josie. Retorna ao
começo de seu relacionamento com Richie, o namorado perfeito, mas que é um
traficante de drogas. Observa cenas ao lado de seus amigos, de quem agora
consegue enxergar outros aspectos antes sombreados e ambíguos,envergonham-se de
atos praticados em vida, que não podem mais ser corrigidos . E em cada uma
dessas visões, novas expectativas são
quebradas, de Elizabeth e do leitor. Alex, sempre cínico e crítico em relação a
Liz, também revisita pedaços de sua existência e assiste ao sofrimento terrível
de seus pais, que não conseguem descobrir o culpado pelo atropelamento que
vitimou o filho único. Os dois “mortos” passeiam pela cidade, entram na escola
onde estudavam, acompanham as ações
daqueles que conheciam. Aos poucos, verdades desconfortáveis começam a surgir
diante de seus olhos. As pessoas talvez
não sejam o que pareciam ser e muitas certezas
agora se desvanecem , dando lugar a acontecimentos que se entrecruzam e
desembocam num final surpreendente, que enfim explicam a morte de Elizabeth e
sua ligação com Alex, que progride para uma amizade verdadeira, ainda que
temperada com elementos bizarros.
Algumas
simbologias adotadas por Warman são interessantes e bem construídas. Um exemplo
são as botas luxuosas que Elizabeth usava quando morreu e com as quais é
obrigada a permanecer durante quase toda a narrativa, mesmo tentando se livrar
delas. É interessante também o modo como
a autora constrói o núcleo dos jovens “populares” da escola, aqueles que ditam
o que é certo e quem são os escolhidos para conviver em seu mundo privilegiado.
Em Limiar essas figuras aparecem para
o leitor sempre com um contraponto a seu aparente glamour e poder. A narrativa, que facilmente cairia numa
novelinha açucarada para adolescentes, vai muito além deste formato e consegue
pintar com tintas sombrias e inusitadas um universo tantas vezes mostrado
superficialmente, em obras literárias e cinematográficas.
Por todas essas qualidades,
recomendo a leitura de Limiar.